Dispositivo influencia a atuação de empresas e empresários no mercado
A Medida Provisória 881, também chamada de Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, foi assinada no dia 30/04/19 pelo Presidente da República e promoveu importantes alterações em legislações de natureza civil, empresarial, econômica, registral, regulatória, urbanística, trabalhista, tributária e financeira, com aplicação imediata desde 03/05/19. Tem como finalidades redefinir a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, diminuir o caráter intervencionista de regras e princípios de Direito Civil e trazer fluidez ao trânsito de riquezas.
As principais alterações no Código Civil foram:
– Art. 50: passou a possibilitar a desconsideração da personalidade jurídica tão somente quanto ao sócio ou administrador que, direta ou indiretamente, for beneficiado pelo abuso.
– Art. 421: foi modificada da cláusula geral da função social do contrato, segundo a “declaração de direitos da liberdade econômica”.
– Art. 423: nos contratos de adesão, houve uma redução da interpretação favorável ao aderente nas situações em que houver dúvida sobre a cláusula contratual, e a inserção da regra geral de que a interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida.
– Art. 480-A: torna facultativo, nas relações interempresariais, o estabelecimento de parâmetros objetivos para a interpretação de requisitos de revisão ou de resolução do contrato.
– Art. 480-B: estabelece a presunção de simetria dos contratantes e o respeito à alocação dos riscos definidos;
– § 7º do art.980-A: esclarece que apenas os ativos patrimoniais da Eireli são atingidos pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial individual, com separação do patrimônio pessoal do titular, ressalvados os casos de fraude.
– Parágrafo único do Art. 1052: reitera a possibilidade de criação da sociedade limitada unipessoal (EIRELI)
– Os artigos 1.368-C, 1.368-D e 1.368-E: definem a natureza jurídica e a disciplina geral dos fundos de investimento.
Já no âmbito do Direito Privado foram modificadas disposições da Lei de Sociedades Anônimas (artigos 85 e 294-A da Lei 6.404/1976) e da Lei de Recuperação Judicial e Falências (artigo 82-A, da Lei 11.101/2005). Inseriram novos princípios com impacto nessas leis, destacando-se aos da presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, da presunção de boa-fé do particular e o da intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado, sobre o exercício de atividades econômicas (artigo 2º da MP 881/2019).
Operadores do direito têm afirmado que a Medida Provisória apresenta sérios problemas técnicos no trato das categorias civis e nas propostas de alterações do Código Civil, tendo em vista que muitas das mudanças já possuíam seus teores reconhecidos pela doutrina e jurisprudência. Destacam que o Art. 62 da Constituição Federal prevê que alterações na codificação privada deveriam acontecer em momentos de relevância e urgência, e que este não seria o caso, podendo-se sustentar que a medida provisória seria inconstitucional devido a tal vicio desde a sua criação.
Tendo em vista que as alterações impactam diretamente a atuação e organização interna de sociedades empresárias, de empresários pessoas físicas e do comércio/mercado de uma forma geral, é aconselhável que estes procurem a ajuda de um advogado especialista nas áreas para fornecer assessoria em estratégias de negócios, ou em processos (judiciais e/ou administrativos) que estejam em curso.
Além destas considerações, abaixo se pode consultar uma breve análise com um teor um pouco mais crítico sobre as alterações trazidas pela Medida Provisória.
Lucas Miliani / Douglas Madeira
Ávila Ribeiro e Fujii Sociedade de Advogados
contato@avilaribeiroefujii.com
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MAIS ALGUMAS QUESTÕES RELEVANTES SOBRE A MP 881/2019
No caso do Artigo 50 do Código Civil, ao se restringir a interpretação do “abuso da personalidade” às hipóteses de atuação dolosa, cria-se um ônus da prova excessivo, quase impossível para as vítimas do uso irregular da personalidade jurídica, e estabelece-se uma interpretação para o abuso de direito que se distancia da elaboração encontrada no artigo 187 do Código Civil. O texto do Código Civil mantém a indistinção entre a desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade do administrador que não necessariamente são sócios. Sendo assim, a responsabilidade dos administradores não se dá por desconsideração da personalidade jurídica, mas por imputação direta.
Essa indistinção torna-se mais delicada diante do §5º inserido pela MP 881/2019: “Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica”. A atividade do administrador para além do objeto e da finalidade da pessoa jurídica pode caracterizar um ato ultra vires, com a responsabilidade desse agente independentemente de qualquer desconsideração da pessoa jurídica.
Ocorre no Artigo 421 uma contradição com os objetivos da própria medida provisória: se a pretensão era a de fugir das cláusulas gerais e dos princípios, faz-se, no final das contas, um recurso direto a tais elementos, o que só ampliará o nível de indeterminação e de incerteza jurídicas. O Artigo tutela a liberdade contratual de forma radical quando afirma que as contratações ocorrem em decorrência da função social, quando na verdade contratam-se pelos mais diversos motivos sem tal restrição.
Quanto à intervenção mínima por qualquer Poder, existem 2 problemas. O Poder Legislativo tem a prerrogativa de executar alterações no marco da Constituição, sendo assim, não pode ser alcançado pela regulamentação de intervenção mínima. E não é adequada a extensão dada ao Poder Executivo, pelo parágrafo único do artigo 421, de intervir em contratos privados por meio de técnicas revisionais.
As sugestões feitas para o Código Civil são muito distantes dos princípios orientadores de sua elaboração que, segundo Miguel Reale, foram: a) a eticidade, com a valorização da “ética da situação” e da boa-fé, b) a socialidade, pelo reconhecimento da função social dos institutos civis, e c) a operabilidade, pela facilitação dos institutos privados e pela busca da concretude, por meio de um sistema aberto, de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais.
O dispositivo utilizado para dispor sobre temas de grande impacto foi inadequado, uma vez que dele decorrem grandes problemas relacionados à insegurança jurídica, principalmente pelo fato de que a MP tem força de Lei por um tempo, mas pode perder sua eficácia caso não venha a ser convertida em lei pelo Congresso dentro de 60 dias (prorrogáveis por mais 60).
Enfim, os problemas levantados influenciam diretamente no tratamento jurídico a ser dado aos negócios comerciais e a atuação das empresas de uma forma geral, o que significa impacto imediato no mercado, com todas as consequências econômicas daí decorrentes.
Lucas Miliani
Ávila Ribeiro e Fujii Sociedade de Advogados
contato@avilaribeiroefujii.com